sábado, 28 de março de 2009

!

Meu Querido Padre Ilídio:

Chamo-o Padre Ilídio porque para mim vai ser sempre assim. Quando há mais de 25 anos foi chamado a cuidar da paróquia de Torredeita, não suspeitámos que ia iniciar uma revolução naquela terra tão conservadora. Habituados que estávamos a um padre à moda antiga, do qual eu tinha medo, fomos todos surpreendidos por uma pessoa genuína e simples. Preocupou-se com as pessoas, dormiu sem cobertor no Inverno porque o deu a alguém que precisava, escandalizou os paroquianos por responder à pergunta “Vinho branco ou tinto?” com um bem-humorado “Cheinho!”.
Fundou o Agrupamento de Escuteiros 749 que fez no dia 25 de Março 25 anos e é hoje um dos pilares da freguesia e ao qual eu vou pertencer para sempre.
Uniu as pessoas à volta do adro, com novas perspectivas. Mais alegria, mais ajuda, mais comunidade.
Levou o João T. para a Casa Paroquial e tornou-o numa pessoa acarinhada por todos.
As homilias deixaram de ser chatas para passarem a ser verdadeiras lições de humanidade. Sempre com voz e palavras ternas.
As crianças passaram a ser crianças. Já não tinham que estar em sentido na catequese e na missa.
As mulheres já não eram censuradas por usar um decote, nem ninguém era pessoalmente alertado para os seus pecados em plena missa dominical.
E tantas outras coisas, que eu não me lembro agora porque era pequena, mas que me fizeram gostar muito do Sr. Padre.
E, se no início, muitos ficaram de pé atrás, aos poucos, aquelas cabeças foram-se abrindo e entendendo o que queria expressar. Foram ficando sem medo da figura do Sr. Prior. Afinal, ele era um amigo.
Depois, veio o dia em que foi embora. Ainda me lembro de ir com o meu pai despedir-me ao fim da missa e ficar muito triste. Eu sabia que ia para Roma, para ajudar melhor, mas eu não queria. Ninguém queria.
Porém, os alicerces que tão bem fundou ficaram lá. Quem chegou para o substituir soube preservar a obra que tinha feito e Torredeita é hoje uma terra mais arejada em muitos sentidos.
Queria dizer-lhe estas coisas todas, porque sempre senti que era um revolucionário tranquilo. Que sabe que há coisas a mudar, que as vai tentar mudar, mas que sabe que têm que ser transformadas com calma. Pacificamente.
Quando soube que ia ser Bispo de Viseu, fiquei esperançosa. Pensei que as coisas iam mudar no Cavaquistão alaranjado, sempre a disfarçar mal o seu lado saudosista dos tempos do regime antigo.
E hoje, quando cheguei ao quiosque dos jornais aqui do bairro, os meus olhos marejaram. “Bispo de Viseu defende uso do preservativo”. Diz assim no DN “ D. Ilídio Leandro diz que as pessoas são moralmente obrigadas a não transmitir a sida através da relação sexual (...) O bispo diz não ter medo da polémica que a sua afirmação vai causar.”.
Não é que me surpreenda. Mas enche-me de orgulho.
E, se ali num daqueles caixotes há-de estar um lenço vermelho com a insígnia dos Escuteiros de Torredeita, achei que era a altura de o desencaixotar mentalmente, pô-lo ao pescoço e dizer-lhe:

“Sempre alerta.”

Sem comentários:

Enviar um comentário