História do quadradinho
É um quadradinho pequenino que me está a pôr nervosa. Quatro riscos de caneta de feltro preta inscritos numa folha de papel muito branca. Preferia pegar nele e enchê-lo de palavras. Era mais simples. Mas alguém me pediu que o enchesse de imagens.
Olho-o de frente. Posso fazer nele um X e passa a ser um voto. Posso fazer um V e torna-se num envelope. Com um pontinho no meio passa a ter um umbigo. Com um traço perpendicular pode ser uma sanduíche cortada ao meio. Com muitas riscas verticais passa a ser um código de barras.
Se eu lhe desenhar um risco vertical mesmo ao centro, passa a ser uma janela. Uma janela pode ser interessante. Posso espreitar pela vidraça e ver que lá fora deve estar frio. Está vento. Descubro isso por causa dos risquinhos que desenho no ar. O céu está cinzento-azulado, o prédio em frente tem uma luz acesa no primeiro andar.
Se eu abrir a janela, posso debruçar-me neste lindo peitoril negro e ver as pedrinhas pequeninas com que a rua é calcetada. Posso também regar estas flores deste vaso que está aqui pendurado ou cheirá-las. Mas para isso, tenho que desenhar um puxador. Pronto, já está.
Olha, vem lá um rapaz. Caminha calmamente e observa a rua. Traz um belo laço ao pescoço e assobia uma canção antiquada. Parece estar à procura de algum sitio. Deve vir visitar alguém. Aproxima-se mais e olha para mim.
Dá-me os Bons-dias. Respondo? “Bom dia.” Agora fixa o seu olhar em mim como se tivesse encontrado aquilo que buscava. E eu tenho a estranha sensação de que quem encontrou fui eu. Começo a não gostar disto. No principio era eu quem estava a definir esta história. Vou apagar a janela e pensar noutra imagem com menos aberturas.
Pego na borracha e esfrego-a no papel. Só que a janela continua aqui. E o rapaz que me encontrou, ou melhor, que eu encontrei, ou melhor, já nem sei, continua ali a olhar para mim.
Mete a mão no bolso das calças. Tira de lá uma folha de papel muito branca com quatro riscos de caneta de feltro nela inscritos. É outro quadradinho. Estica o braço desde lá de baixo até aqui à janela do segundo andar e dá-me. Sorri-me e diz-me: “É para continuar a história”.
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Há 6 anos