domingo, 15 de novembro de 2009

Caixote das sobrancelhas

Para a Vó Piedade.


Ensinaste-me a fazer broa, benzida em cruz para levedar bem. Aprendi contigo o sabor do caldo de couves feito na panela de ferro da lareira, do bacalhau frito, dos torresmos, das batatas fritas em azeite, daquelas flores do campo, que eu não me lembro agora do nome, mas que se chupam e são docinhas...Aprendi o prazer de enterrar as mãos no sal grosso da salgadeira, no saco de milho amarelinho, de fazer festas aos coelhos pequeninos, de caminhar descalça na terra acabadinha de regar. Contigo também fiquei a saber que a estrepoeja serve para puxar o pus das feridas, que mexer no lume faz os meninos fazer chichi na cama, que quando uma coisa desaparece basta dar um nó na ponta esquerda do avental que se encontra logo, que quando há trovoada se queima ramo bento para proteger dos raios e que quando a minha perna dói é porque a lua anda às voltas.
Que bem que se cresce no campo com uma avó sábia e doce.
De todas as coisas que me deste, as sobrancelhas são as que vou transportar comigo para sempre. Pretas, fartas e compridas. Indomáveis, apesar de todas as novas tecnologias que existem hoje em dia à disposição da estética feminina. Mas não faz mal, porque são iguais às tuas. E são nossas.
Li uma citação qualquer que diz mais ou menos que as pessoas só morrem quando morre a última pessoa que gosta delas.
Por mim, vais continuar a viver muitos anos.

4 comentários:

  1. Sabe bem lembrar os que já partiram!
    A avó concerteza que ficou contente com o que dela escreveste.
    Lembrar os momentos felizes da nossa infância é um antídoto contra a tristeza.
    Respeitar os mortos torna-nos mais fortes e dignifica-nos. Quem não é capaz de o fazer é porque é fraco e infelizmente mal amado.
    Mãe Irene

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  2. Quando se escreve com o coração, bota-se cá para fora palavras e sentidos maravilhosos. Adorei o que escreveste. Emocionou-me. Beijinhos

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  3. Não conheci a tua avó mas respeito-a por tudo o que te ofereceu, pela sua quota parte na pessoa fantástica que és hoje.
    Adorei as tuas palavras e tenho a certeza que a Vó Piedade também.
    Abraço amigo.

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  4. quem (como nós)teve a sorte de crescer com avós maravilhosos, cúmplices como só eles sabem ser, que contam aquelas histórias que mais ninguém sabe (e que não são para repetir a ninguém), que brincam connosco como se tivessem a nossa idade, que nos deixam fazer penteados nos seus sábios cabelos brancos, que nos dão a comer aquele doce proibido, e nos levam na garupa da sua bicicleta, que nos ensinam a nadar e a ser pessoas melhores, que nos ensinam a ser pacientes e a pedir desculpa, que nos esperam da porta da escola e nos oferecem aquele vestido de domingo para passear de mão dada no jardim.....se somos as pessoas que somos hoje, em grande parte a eles o devemos. E VIVA os avós!!!

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